quarta-feira, 14 de fevereiro de 2024

 

 

 

AS PALAVRAS

 

Estão-se despindo as árvores no meu quintal

Parece que morrem devarinho

Mas não

Poupam-se

como os ursos nas grutas

Como os discursos que se guardam

Por serem certeiros demasiado

Para serem ditos.

Inúteis as palavras

Quando não há ouvidos para ouvirem.

Quanto mais gritares, menos te ouvem.

Protege-te debaixo da chuva,

Porque é lá fora que está a ameaça.

 

 

 

 

 

Palestina

 

Eu tinha cinco oliveiras

Vieram uns homens, eu lembro o dia,

Eram fortes, tinham fuzis,

Arrancaram-nas pela raiz

E plantaram em cima uma casa.

Eu tinha dez anos de idade.

Nosso pai, nossa mãe, choraram muito.

Depois pegaram nos filhos

E fomos morrer para longe

Porque eles não queriam ali o nosso cheiro.

 

Eu tinha um rebanho que pastoreava

Pelos ermos, entre silvas e penedos.

Um dia chegaram umas mulheres

Empunhando fuzis, vociferando,

Tivemos muito medo e fugimos.

Eu tinha dez anos de idade.

Na casa dos nossos avós

Ficámos por muito tempo.

 

Eu tinha dez anos de idade.

Perguntei ao pai porquê os nossos vizinhos

Nos haviam roubado as oliveiras e o rebanho

Eu brincava com os filhos deles,

Eu gostava da Sara dos olhos azuis,

E ela gostava dos meus olhos

Dizia que eram como a a noite com duas estrelas

Quando sorria para ela e lhe dava a mão,

Não fosse cair nas oliveiras e nos penedos,

E chegaram de repente, empunhando muitos fuzis,

Vociferando.

Eu tinha dez anos de idade e não entendia o porquê.

Na casa dos meus avós senti-me infeliz

Lembrava o tempo em que beijava a Sara

Entre as oliveiras e os penedos.

 

Velho e cansado e triste,

Não esqueço a raiz desses medos.

E se tu, Sara, em algum lado me viste,

Morto pelos vossos fuzis,

Lembra-te daquela oliveira,

Que ma arrancaram pela raiz!

 

....Nozes Pires....10/12/2023

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

O EMBUSTE

 

Meu irmão,

Deixa-me chamar-te meu irmão,

Afinal devemos ao mesmo germen a Vida,

Das águas primigéneas, da mesma bactéria primeva,

 da mesma evolução com saltos

 E da mesma igual vontade universal de sobreviver.

Iguais não somos,

A menos que hajas trabalhado a vida toda para outros

Que connosco lucraram.

A menos que te hajas indignado

E que às vezes a cólera te fez gritar

Inexplicável te pareceu então a injustiça.

Ainda que não hajas lutado contra os opressores

Ou sido castigado pelas justas rebeldias, és meu irmão.

 

Irmãos pela Vida original e iguais pelas vidas comuns.

Sabes irmão e meu igual, andamos tristes

Quando, afinal, deviamos andar felizes,

Quero dizer com uma vida boa como o Filósofo disse o que era a Felicidade.

Mas é assim a diferença que se criou

Entre os que possuem finança e armas

e aqueles que não possuem nem uma coisa nem outra.

Tu acreditas irmão e meu igual, que foi o destino

Ou a má sorte?

Tu crês no que dizem : é a diferença de cores,

De inteligências, de força de trabalho?

Tu crês, meu irmão, que nestes dias natalícios

Com tantos votos de amor e harmonia

Todo o mundo se redime por palavras

E toda a caridade acaba com a pobreza

E os que não nos permitiram uma vida boa

É agora que os sentarão à mesma mesa?

És ingénuo ou estúpido meu irmão?

És cobarde ou bravio?

Não,

Não me dês a tua mão a medo,

A tua fé em milagres sobrenaturais

As tuas superstições

Os teus preconceitos

As tuas perignações

Ao vazio dos silêncios.

Deixa-me que te diga, irmão,

Que na verdade

Tudo que nos une, nos separou,

E sempre foi esse o demónio real.

Ó irmão, irmão,

Nem sabes como eu me entristeço

Quando te vejo tirar o chapéu ao patrão!

 

Mas enfim, que viva o natal!

Que regurgite a caridade!

Que se este mundo vai mal

Em algum lugar esconderam a verdade!

E é só nisso que acredito:

Que esta História foi um embuste,

E um dia acordaremos para a realidade!

 

........NOZES PIRES.......23/12/2023